quinta-feira, 9 de dezembro de 2010




Forte Chuva na Capital
ela vem vindo
do lado de lá
e vem chegando
pro lado de cá
cai forte
pesada
e reta
vem vindo o vento
ela me faz levantar pra fechar as janelas
mas que pena perder essa chuva
penso eu antes de fechá-la
"mas que dó"...
deixei uma gretinha da janela aberta.
A chuva entrou pela porta
FECHEI
ela   a  b  r  i  u
mas só um pouquinho
mas depois ela passou
deixou apenas alguns respingos na base da janela
Ooo0oo  oOoo
  oOooo o   o Oooo
logo vi, olha lá que tanto de nuvem e sol
e a chuva engrossou.
pensei: "Que selva, me sinto na floresta!"
mirei os bambus, a bananeira e foi isso que me fez pensar...
abrandou de novo a chuva
e tudo isso sob o sol... Que tempo!
engrossou! a chuva não cessa
mas que coisa linda
ainda chove
mas já se vê a cidade mais limpa
são outros ânimos
sempre achei que banho
ajudava a começar de novo


Texto: Kamilla Mota (b'slt)
Imagem: autor desconhecido

quinta-feira, 22 de abril de 2010




O tempo passa, a gente espera. 


Imagem: Autumn wind part 3 - Petra Zarin

domingo, 21 de março de 2010


Abundância 

"Sei que poderia ganhar milhões com minha bunda... mas optei por trabalhar em troca de um salário... 
Fazer o que? Tem gente que gosta de ser medíocre. 
A gravidade atua, a bunda cai... é um caminho sem volta".

Imagem: autor desconhecido
Autor: b'slt

quarta-feira, 10 de março de 2010

 


Folhas suicidas, mangas kamikazes


    Não digo que estava atrasado. Essa não é condição para que eu corra. Nunca foi. Fato é que ia para a faculdade e passava entre uma dúzia de mangueiras que vigiam o caminho. Ventava. Nem frio, nem quente: úmido. Chovera há pouco, e algumas gotas vagavam desgarradas. Há um mês aquelas árvores estavam em flor, mas naquela manhã nublada alguns frutos tímidos se mostravam. Meus braços num movimento ensaiado impulsionavam meus passos: ora o direito para frente, ora o esquerdo – contínuos, opostos, obstinados. Foi quando o incidente aconteceu: uma corrente de ar menos sutil fez com que um dos frutos saltasse da copa de umas das árvores e acertasse, de forma intermediária, minha mão. Tal foi a violência da pequena manga, que desarranjou o sincronismo das idas e vindas. Um pequeno roxo estabeleceu a veracidade do encontro.
    Certa noite, meses mais tarde, passando pelo mesmo local, conversávamos sobre uma pomba morta que havia caído sob minha cabeça – mas essa história, conto depois. Subitamente uma rajada de vento animou as árvores e refrescou-me a memória. Como falávamos de coisas que nos utilizam como intermediários no caminho para o chão, relatei o caso da manga. Entre poucos risos, minha amiga – uma poetiza dessas de blogs e papeis avulsos rabiscados – contou que conhecia e já havia contemplado em um de seus escritos algo sobre folhas suicidas, mas nunca mangas. Refleti e manifestei minha objeção (não que a manga me cause rancor, de forma alguma): “Fui vítima de uma manga assassina! Foi um ataque. Não era apenas suicida, era kamikaze!”. Alguns segundos e a síntese veio em contrapartida: “Verdade, folhas são suicidas, mangas kamikazes!”.
    Instigante, não? 
    Durante a noite peguei-me a matutar como é curioso esse devir entre experiência cotidiana e divagar filosófico. O que seria dos poemas e devaneios não fosse o vivenciado diariamente? Por outro lado, o habitual não cultiva em sua gênese todo o poético? Folhas e mangas são fatos, são materialidade, são objetivas. Seus movimentos poderiam passar despercebidos no caos variável mundano, não fossem eles capazes de nos atravessar e provocar afetações diversas: da fascinação a mais sublime indiferença.
    Penso que a criatividade não nasça de uma instância interna e desconhecida, mas sim do contato. Das apresentações, dos reconhecimentos. Relacionar-nos com aquilo que nos cerca implica em transcender, por meio de prazer ou dor, seus significados e, em movimentos de negação ou afirmação, produzir o novo. Novo é mutável, é o que já passou e ainda nem surgiu. É o viver com todas suas implicações. Esforço atroz.
    Folhas suicidas, mangas kamikazes. Cenas cotidianas e devir poético. Na verdade, não se trata de permitir que o toque adentre a pele?


Imagem: SamUH!
Texto: SamUH!

domingo, 28 de fevereiro de 2010




Pego num lápis (os lápis são ótimos pois escrevem em qualquer posição, mesmo em papel molhado, ninguém os rouba, e se caem num tanque boiam) e anoto no verso de um recibo: "Não tomar decisões é um ato muito importante". Guardo o papel junto a carteira de Identidade.

Imagem: b'slt
Autor: NADA

domingo, 21 de fevereiro de 2010


Sou 
capaz 
de ser
tudo em 
mim mesma
sou ele
sou 
 você
não aprendi, contudo,
como me ser
...
Talvez seja eu toda essa diversidade

Imagem: b'slt
Autor: b'slt

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010



Falta – de sono...

Fico aqui sentado, sem saber o que dizer, o que falar, o que fazer. Acho que o son(h)o dessa noite resolveu me esquecer e fico aqui a brincar com as palavras a enlouquecer o restante da memória que me serve a essas alturas findadas de um dia cansativo. Minha alma pede bis das coisas boas que vivi, dos sorrisos que consegui gentilmente arrancar dos rostos tristes. Tarefa árdua e absurdamente confortante... mas há sentado ali um garoto que quase não sorri. Amuado, sempre quieto no cantinho da sala inerte em um banquinho, sempre á meia-luz de penumbra. Parece esse clima lhe agradar. Assim ainda com receio crio coragem para me aproximar e assim o faço, a passos curtinhos e extremamente meticulosos. O chão de taco faz barulho quando lhe toco a sola de meu sapato social marrom bico quadrado. Tento recuar e arrasto o pé para trás, me dá medo, mas algo me diz que não há como voltar atrás... o terreno que está nas minhas costas desabou faz tempo e eu nem percebi, afinal parecia que estava ali poucos segundos. Quando olhei minhas mãos, me assustei! Elas cheias de rugas... parecia que haviam me colocado numa máquina do tempo e eu não tinha mais escolha: era hora de encarar o menino no canto da parede, que, por incrível que possa parecer, continuava um menino – e eu já velho. Passados anos, me envergonhei por estar na mesma posição, com a mesma atitude. Agora com o porém das inevitáveis marcas que o tempo não me poupou. Nada mais do que natural. Eu só não imaginava que seria assim tão rápido. Eu sabia que mais três passos e meio, chegaria ao meu objetivo-destino que tracei desde o início. A trajetória até ali havia sido longa e cansativa, embora eu tivesse a sensação de ter ficado estacionado no mesmo lugar. Eu já homem idoso, já vivido e experiente, não deveria mais temer qualquer coisa na minha vida, mas confesso que a única coisa que temia a esse tempo era a própria vida. Mas sobre isso conto depois... por fim, me aproximei com um pouco mais de sabedoria e disse: olá rapazinho! O que fazes aí sozinho? Depois de alguns 7 segundos ele me dirige o olhar, sombrio e esperançoso, mas não me dispensa nenhuma palavra. Aí, faço uma nova tentativa: Qual o seu nome? Sem hesitar, me responde: Sou o Amor e estive aqui durante toda a sua vida, foi bom ter me descoberto, ainda que se você olhar para trás verás que a morte lhe serve às costas! 
Sempre há tempo?

Imagem: Sad Clow por James Cane
Autora: Hellen Tavares

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010



Sublinho o que tenho



Marcados pelo que não se tem
Ter é acompanhado por aquilo ainda não desejado.
Remédio para curas superficiais,
De feridas cuticulares.
Tempestades diante triangulações infindáveis
Se tornam monótonas - e notórias - crises
Estados disciplinares da inquietude
Acomodados no desespero
Saídas pensadas no sobre-plano
Compassadas em trajetórias
Ridiculamente fúteis.
Sereis pura tolice, buscando no presente
Quando apenas quero viver de futuro
Um herói quando aludido no passado
Cheio de glória sustenta o ímpeto
Nos desejos de ser aquilo que não foi.
No estar ouço lamurios e choros
Apenas desgraças disputadas
Alheias na remediação daquilo que sou









Autor: Marconi Moura
Imagem: Walter B. Lane


Nota do editor: Neste poema, temos, na verdade, não apenas um, mas dois. Lendo-se apenas o que sublinha o autor, chegamos a um, por assim dizer, "segundo mundo". Lendo as entrelinhas de nós mesmos podemos chegar a mundos outros, diversos. 

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

 


Indecência

   Quem disse que pornografia tem hora e lugar? É que a coisa anda aí tão solta, tão fácil e explícita que parece ter tomado conta do cotidiano – e sem causar grandes catástrofes ou afrontas morais. Mas se a coisa anda aí tão corriqueira, tão “psiu”, como diria Leminski, quase perde seu status excepcional, proibido e de difícil acesso. É como se perdesse, por uma questão de conceito e até de “moral” e “bons costumes” o seu devir indecente.
   Mas veja lá, não estou falando da extinção de um modus operandi que traga consigo o vexame. A indecência agora é outra. O que nos causa pejo e nos humilha até o fundo das calças é falar de amor, de querer estar junto, de subir a serra com um amor de verão. O amor, meus caros, é absurdo, excepcional. É indecente!

autor: b'slt
imagem: autor desconhecido






quarta-feira, 20 de janeiro de 2010



Nada melhor que um Psicanalista bêbado



   Lá estavam os dois, sentados na calçada daquele bar que frequentam aos domingos à tarde. Já era noite e em suas faces lágrimas corriam vagarosas. Enquanto algumas mesas espiavam a cena curiosa, palavras eram proferidas na tentativa de encerrar, de alguma forma, aquele sofrimento: “Me desculpe, amor. Eu não devia ter falado assim...” – “Não, não peça desculpas. Você disse a verdade... agora não importa mais...”. Abraçaram-se, beijaram-se. Decidiram voltar para a mesa e à companhia de suas amigas.
   Ao retornarem à mesa, elas não estavam mais sozinhas. Às duas, juntou-se um senhor (e que ele me perdoe por esse termo, mas no meu fazer literário terei que reduzir a experiência a alguns adjetivos – são os infortúnios e a beleza da escrita). Um daqueles que com cerca de 50 anos – mais tarde descobriram 52 –, mas que conservam ar jovial. Uma das amigas, disse: “Gente, esse é o Augusto. Ele sentou aqui pra conversar com a gente”. “Muito prazer”, disse o homem, trocando o cigarro de mão para cumprimentar os dois rapazes. Nitidamente, estava bêbado.
   Pela cena inusitada e a expressão das amigas, logo perceberam que a noite lhes reservava algo. Não tardou a descoberta.
   A mesma amiga complementou: “Ele é psicólogo” – uma daquelas curiosidades que, supostamente, nos ajudam a compreender um pouco mais o rumo que as coisas tomam. De pronto, retrucou: “Não me reduza. Não aprecio definições. Daqui a pouco começaremos a enquadrar cada um em uma categoria. Não me defino. Acho que o ser não pode ser reduzido. Sou psicólogo, mas muito mais... Ah-há-há-há Ah-há-há!” – soltou uma gargalhada aguda e desinibida, quase ofensiva. Imediatamente fitou a todos, especialmente os rapazes. Examinou com o olhar por cima dos óculos de armação grossa e moderna, estando o cotovelo apoiado na mesa e o cigarro na mão direita, entre os dedos indicador e médio, na altura dos olhos. Mais tarde viria a constatação que depois de cada gargalhada o psicólogo retornava a esse estado. Um ar esnobe. Certa classe. Exalava finesse. Diria que era uma mistura de Clodovil Hernandes e... Bom, acho que Clodovil não se mistura.
   Os rapazes, que de início estampavam um semblante triste, rapidamente cederam às gargalhadas de Augusto. Não tanto às piadas, sim às gargalhadas.
“Sem querer me reduzir, mas já o fazendo, sou estudante de psicologia” – disse um dos rapazes. Retomando sua postura altiva, mas com o equilíbrio comprometido, olhou fixamente nos olhos do rapaz: “Fez uma bela escolha” – seus olhos ocasionalmente vagavam em busca de apoio – “Psicologia é um curso muito bom. Freud era um grande cientista. Eu amo Freud. As coisas que ele disse são sensacionais. Para citar, gosto muito de um texto onde ele diz que admira muito os artistas” – breve pausa para mais um gole de cerveja – “Disse que os artistas são muito corajosos, os admira, pois um artista é capaz de pegar suas economias da caderneta diária, esse dinheiro pra comprar alface” – ênfase na palavra “alface”, um tom quase profético e um último trago – “Pegam esse dinheiro e fazem uma viagem! Ou são capazes de pegar toda a mobília da sala e queimar” – aproximou-se dos jovens e sussurrou: “Supondo que estamos no inverno... Ah-há-há-há Ah-há-há!”. Examinou-os com desconfiança e retomou a expressão de seriedade cambaleante. Prosseguiu: “Pegam o sofá e todo o resto e queimam para aquecer a modelo da pintura. Afinal, a modelo da pintura é o que importa. Não se apegam aos objetos. Fico pensando que nós nos apegamos demais aos objetos... Posso filar mais um cigarro? Hoje saí para filar cigarros! Ah-há-há-há Ah-há-há!” – retomou a expressão de seriedade, aproximou-se dos jovens e complementou: “Mas só hoje! Ah-há-há-há Ah-há-há!”.
   Meio trôpego, refez o aspecto reflexivo. Esperou o cigarro.
   Um dos rapazes, o fumante, pegou uma caixa excêntrica de cigarros. Havia comprado certa vez por achar diferente e hoje, acha cafona. Enfim, seus cigarros estavam em uma pequena lata azul, em formato e desenho de geladeira que, ao ser aberta, acendia uma pequena luz de forte intensidade. O olhar difuso do psicanalista encontrou-a sobre a mesa: “Gente! Uma caixa de cigarros azul! Que inusitado! Ah-há-há-há Ah-há-há!”. Sem graça, seu dono justificou-se: “É... sei que é meio cafona mesmo...” – “Nada disso”, retrucou o admirador. “Achei um luxo” – pegou o cigarro, pediu fogo ao rapaz. Após o primeiro trago, fixou o olhar ao longe. Alguns momentos de silêncio e disse: “Posso escrever sobre esse encontro em meu diário”. Mais algumas tragadas. “Posso escrever no meu diário hoje: Conheci uma pessoa – não que eu gosto de reduções [disse atravessando o olhar por cima dos óculos em direção ao rapaz] – que tem uma caixa de cigarro azul. Achei maravilhosa! Fashion!”. Suas mãos gesticulavam em círculos a cada novo adjetivo. A cabeça pendia sutilmente para trás. As palavras foram silenciando na embriaguês.
   De repente, o apreciador de Freud e de caixas azuis de cigarro, parou por um instante olhando fixamente para as duas meninas que se beijavam. Pararam e sorriram para ele. “Vocês são muito lindas. Eu já disse isso? São mesmo. Parecem duas... Ah-há-há-há Ah-há-há!” – antes de mais uma das suas indiscretas gargalhadas disse algo em um inglês do qual seus ouvintes só identificaram “colors”. Ingeriu o último gole da sua bebida. “Verdade. Parecem as cores das pétalas de margaridas. Uma é o branco, a outra o azul. Muito belas”. Ao que tudo indica, nosso filósofo perdeu-se num emaranhado de línguas, caixas e flores.
   “Garçom, por favor, mais uma cerveja. Essa rodada eu pago. Estou amando a companhia de vocês”, disse.
   Voltando a atenção aos rapazes que se acariciavam, indagou penetrante: “Onde consigo isso?” – emitiu um olhar malicioso e uma nada sutil piscadinha ao estudante. Sutileza não fazia parte de seu repertório, ao menos, não naquela noite. Constrangido, o estudante respondeu: “Por aqui...” e indicou o bar com as mãos, num gesto circular, apontando para o ambiente que os cercava. “Ah-há-há-há Ah-há-há! Amei esse gesto! Ah-há-há-há Ah-há-há! Por aqui... Ah-há-há-há Ah-há-há!” – deliciava o psicanalista reproduzindo o citado. “Meu bem... Posso pegar mais um cigarro dessa caixa fashion?” – olhou provocante e, como de praxe: “Ah-há-há-há Ah-há-há!”. Todos riam, suas gargalhadas eram absolutamente contagiantes.
   Mais uma vez, o fumante lhe acendeu o cigarro.
   Aproveitando o ensejo, demonstrou parte do seu narcisismo: “Bom, meu bem... Olha aqui, eu sou o mais jovem entre os que têm a minha idade, entende? Ah-há-há-há Ah-há-há!” – Tragada. Olhar fixo. Expressão compenetrada. “Quantos anos você acha que tenho?” – sorriu sutilmente ao lançar o desafio, saboreando seu mistério. Uma das moças disse: “Você já falou. É 52, num é?”. “Ah-há-há-há Ah-há-há! Sim, querida. E olhe essa pele... de 30. Lógico que são cremes para a cútis. Esse é o segredo. Em Paris, evidentemente. Sabem o que é cútis?”. Sem dúvida, os jovens sabiam, mas não queriam perder o prazer hilário de ouvir a explicação de Augusto. “Bom... é a pele do rosto, queridos” – indicou com o dedo, tragou o cigarro, soltou a fumaça para o alto. Desequilibrou-se.
   Algumas cervejas... talvez muitas. Diversas gargalhadas compartilhadas. Os rapazes nem se lembravam das lágrimas de uma hora atrás.
   “O ego é muito... Gente, que papo cabeça!” – esboçou certo nojo – “Ah-há-há-há Ah-há-há! Como estou reflexivo! Ah-há-há-há Ah-há-há!” – seriedade – “Mas é verdade. Vocês são pessoas muito agradáveis. Difícil encontrar pessoas nessa idade assim, como vocês”. No bar, uma roda de sambistas se apresentava e, logo o show chegara ao fim. Imediatamente, o mais novo amigo levantou-se e aplaudiu por alguns 3 minutos. O único do bar. “Adoro samba. Esse ar carioca. No Rio é muito diferente. Aqui em Minas nada acontece. Moro em Belo Horizonte, Paris, Montreal e São Paulo” – mais uma cerveja finalizada – “Vocês não sabem o quanto somos legais, toda essa mistura. Os brasileiros deviam sair do Brasil pra ver o quanto somos legais. Gosto disso, toda essa ginga, essa mistura”. Uma piscadinha para o estudante, seguida do mesmo sorriso gentil e provocador.
   “Essa novela horrível que passava mostrava umas coisas da Índia. Tá certo, tem umas mentiras. Mas o Kama Sutra vocês conhecem, não?! Um conhecimento delicioso. Gosto muito disso, o gozo real. Porque aqui estamos falando de real. Isso é real... Gente, que papo cabeça! Ah-há-há-há Ah-há-há!” – Olhar penetrante sobre os óculos: “Como chama aquela coisa branca que a gente usa na hora do sexo? Que é de comer?” – “Chantili”, respondeu prontamente uma das meninas. “Isso! Ah-há-há-há Ah-há-há! Você conhece, neh?! Ah-há-há-há Ah-há-há!” – alguns roncos entre as risadas – “Ah-há-há-há Ah-há-há! Não é isso!” – expressão séria por uma fração de segundos – “Ah-há-há-há Ah-há-há! É outra coisa! Ah-há-há-há Ah-há-há!”. Foi o momento em que os jovens mais riram. Provavelmente, alguma piada interna.
   Próximo ao fim da noite, os jovens pediram a conta, apesar de estarem se divertindo. O psicanalista tentou argumentar para que ficassem, e mesmo com todas as gargalhadas, não os dissuadiu. Mas como todos sabem, após pedir a conta ainda temos uns bons minutos de conversa.
   Um gole de cerveja e pediu mais um cigarro. No entanto, a caixa fashion estava vazia. Augusto levantou-se e, na mesa ao lado (de alguma forma) conseguiu um cigarro. Os jovens ouviram apenas um som: “Ah-há-há-há Ah-há-há!”.
   O rapaz e o fogo, novamente. Olhar ao longe, ainda mais cambaleante, e o psicanalista continuou: “O ego é curioso. Essa coisa do ser. Já fui casado, tenho uma filha da idade de vocês. Não me arrependo, minha ex é fantástica, foi tudo maravilhoso. Mas hoje busco outra coisa. Quero encontrar alguém, sabe...” – mais cerveja, um trago, o olhar levemente abatido – “Ultimamente tenho gostado muito dos pescadores. Sabem como se identifica se um peixe está bom ou não?” – Deleitou-se com o olhar atento dos jovens. Sorriu contidamente, tragou e bebeu – “Pela escama. Tem que estar rosa. Mas não pode ser grená, tem que ser rosa. Curioso isso... conhecer pela escama. Seria interessante se nós também pudéssemos conhecer o outro pela escama. A pele” – Divagou por instantes com olhar trôpego, mas brilhante – “Essa coisa de alma gêmea. Sabe quando você encontra alguém e essa pessoa te deixa no chão? Sabem como chama?” – com olhar soberbo e esnobe se dirigiu pausadamente a cada um – “Paixão, porque é ‘pá’ na cabeça ‘e chão’! Ah-há-há-há Ah-há-há! Você fica no chão pela pessoa! Ah-há-há-há Ah-há-há!” – Cigarro na boca, aparência compenetrada – “Aqui em Minas, ainda falam que nós somos caipiras. A gente ‘cai’ e ‘pira’! Ah-há-há-há Ah-há-há! Eu tô nessa... é ‘pá’ na cabeça, cai no chão e deliro! Eu sou caipira! Ah-há-há-há Ah-há-há!”. Lacan certamente sorriu. Nesse momento, os jovens definitivamente se encantaram por Augusto. E como não o fazer?
   Chegada a conta, ele insistiu em pagar, justificando ter adorado a companhia. Tirou seu cartão, chamou o garçom, mas os jovens recusaram. Não podiam abusar de alguém tão engraçado, espontâneo e profundo, ainda que bêbado. Um fantástico ser, de um ego sublime. Freud na certa se encantaria e, obviamente, também filaria um cigarro da caixa fashion. Além do mais, como prega uma famosa campanha publicitária: “Existem coisas que o dinheiro não compra...”. Eles sabiam bem isso.
   Despediram-se. Pegaram os contatos. Cada um pra um lado. No carro, os jovens comentavam um pouco descrentes e absolutamente agradecidos. Sem dúvida, mais que um encontro inesperado. O estudante de psicologia, ao ver-se sorrindo e beijando apaixonadamente seu namorado, pensou sobre o fato inusitado. Ainda que fosse behaviorista, teve que admitir: aquela havia sido uma incrível sessão psicanalítica de casal e os resultados, mensuráveis ou não, foram os melhores possíveis. E esperou, com todas as forças, que o efeito Augusto não passasse – enquanto algo ecoava em seus pensamentos: “Ah-há-há-há Ah-há-há!”.


Texto: SamUH!
Imagem: Glennharper




Pé na estrada!

Aqui começamos, não sabemos aonde vamos parar....
Algumas idéias na cabeça, alguns colaboradores "e lá vamos nós", já dizia a bruxinha do pica-pau. Espero, contudo, que possamos ter, mais que ela, êxito em nossos vôos e humor suficiente para rir das nossas tão cotidianas quedas.
Sem mais delongas, abrimos nossas portas. É open bar!

Texto: b'slt
Imagem: autor desconhecido