segunda-feira, 21 de março de 2011





Técnica de Escrita Alemã


Não se apaga o passado. Não excluímos da nossa vida as pessoas com a facilidade que o fazemos nas redes sociais. Nem as adquirimos de volta com a mesma facilidade com a qual as adicionamos. Não se apaga o passado.
Infelizmente, mesmo com as reservas que fazemos, não há muros capazes de impedir nossas mágoas. Mesmo com tantas ressalvas, ainda nos alcançam os enganos, nos alcançam as mágoas e o pesar de não ter feito uma escolha acertada, de não ter sido o "eu" que bate a porta e se fecha. Mas este "eu" realmente não sou eu - o eu que se fecha e bate a porta. Também não sou o "eu" que escancara e pula a janela alheia.

Alijado fui eu. Atirado à correnteza. Algum frio inóspito me fez pensar. Enquanto havia festa, me fez pensar. Um tanto enxovalhado, depois de dias a navegar, não me apossei de nenhum porto, não soube ancorar. Dias de terra, dias de mar. Terra distante, ecos ao acaso. Eu busco a paz, mas a paz não se persegue. Não se persegue a paz, a paz se encontra, como tantos encontros na vida. E como o amor, é preciso ter para encontrar.

Tenho imensidões de areia, de ensandecer homem nu. Sento-me à beira e pergunto-me: " fui um homem tolo?". Acreditar no sonho, quem pôde? Os sonhos nos afrontam mais que a própria realidade, pois, é no confronto entre eles que se fazem as entrelinhas, os desacordos e as divisões inexatas.

Um homem nunca deveria duvidar de seus sentimentos, sobre sua realidade, não há dúvidas. Efetivo, como tudo na vida, definitivo, como uma vida não retoma o passado, incerto, como um barco não remado, à deriva na tempestade. Uma mente aberta, como um caderno, a espera de facilidades. Não se apaga o passado.

Imagem: Ressaca na Praia Brava/Itajaí-SC por Ronaud Pereira
Texto: Kamilla Mota

quarta-feira, 2 de março de 2011


Serafim
Sera sera sera fim. Sera sera serafim. sera sera sera fim, ser afim. sera sera será. pobre de mim, Será?

Esqueci todos meus compromissos - assim faz um homem de bem, quando quer se despojar das coisas. Deixei de lado uma pilha de papel, envolto por um elástico, naquela escada de pedra, onde estava sentado. Domingo de sol e cigarro de palha.
Sentado, tento redesenhar minha mente, com imagens suaves e solares. Com vento, vento pouco, brisa quente.
Hoje as pessoas procuram, pelo que tiveram um dia, querendo obter, no hoje, coisas de outrora. Certamente o atraso não é imperdoável, as pessoas acertam seus relógios ao seu bel prazer... e o tempo... é uma mera convenção forçada, da qual nem todos se ocupam.
Como um Serafim, tento me orientar pelas placas e sinais. Peço informações, mas os transeuntes são mudos e não entendem meu idioma. Ser um estrangeiro faz de mim um homem incompreendido, com poderes limitados de compreensão. Dificilmente têm tempo para minha sujeira, pois não sou nada mais do que o que vêem em mim. Estou coberto por minha própria exposição.
Sem saber exatamente onde estou, pergunto-me, em silêncio, onde errei o caminho. A errância tem um início e no fim, Serafim, no final das contas, você acaba por decidir andar na rua e também por morar nela. 
Outros artifícios poderiam ser criados, mas o banco da praça é o melhor artifício. Depois de alguns dias na rua, o ser humano (Sera-fim) torna-se um enigma. Dois dedos de sujeira acima de mim – camuflagem/mimetismo, uma forma de se viver na rua e de se proteger. Quem iria mexer com um mendigo?
Intacto e sofrendo as avarias do tempo, ele conhece sua melhor metáfora: enxovalhado. São as águas de março que Serafim não conseguiu chorar. Serafim, onde foi morar sá mágoa?

Texto: Kamilla Mota
Imagem: Guilherme Kramer (Serafim, Bartholomeu, Andorinha e Molina na Guatemala) 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Carta para Chuchu 



Você,
você pode ser
nada mais que um vegetal
verde natural
verde realmente
Com o cozimento
você enfim ficará meio transparente,
mas muito esquentado.
Se colocarmos pimenta,
as coisas ficarão ainda mais "calientes".   
Mas você é um chuchu. 
Se for na janta, você sobra.
Se for uma sopa, alguém pode te comer
tomando-o por outro legume.
De todo modo, alguém pode gostar de você
mesmo você sendo um chuchu.




Imagem: Hoi (Thijs van der Vossen)
Texto: b'slt             
                              




                                                                                                          

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010




Forte Chuva na Capital
ela vem vindo
do lado de lá
e vem chegando
pro lado de cá
cai forte
pesada
e reta
vem vindo o vento
ela me faz levantar pra fechar as janelas
mas que pena perder essa chuva
penso eu antes de fechá-la
"mas que dó"...
deixei uma gretinha da janela aberta.
A chuva entrou pela porta
FECHEI
ela   a  b  r  i  u
mas só um pouquinho
mas depois ela passou
deixou apenas alguns respingos na base da janela
Ooo0oo  oOoo
  oOooo o   o Oooo
logo vi, olha lá que tanto de nuvem e sol
e a chuva engrossou.
pensei: "Que selva, me sinto na floresta!"
mirei os bambus, a bananeira e foi isso que me fez pensar...
abrandou de novo a chuva
e tudo isso sob o sol... Que tempo!
engrossou! a chuva não cessa
mas que coisa linda
ainda chove
mas já se vê a cidade mais limpa
são outros ânimos
sempre achei que banho
ajudava a começar de novo


Texto: Kamilla Mota (b'slt)
Imagem: autor desconhecido

quinta-feira, 22 de abril de 2010




O tempo passa, a gente espera. 


Imagem: Autumn wind part 3 - Petra Zarin

domingo, 21 de março de 2010


Abundância 

"Sei que poderia ganhar milhões com minha bunda... mas optei por trabalhar em troca de um salário... 
Fazer o que? Tem gente que gosta de ser medíocre. 
A gravidade atua, a bunda cai... é um caminho sem volta".

Imagem: autor desconhecido
Autor: b'slt

quarta-feira, 10 de março de 2010

 


Folhas suicidas, mangas kamikazes


    Não digo que estava atrasado. Essa não é condição para que eu corra. Nunca foi. Fato é que ia para a faculdade e passava entre uma dúzia de mangueiras que vigiam o caminho. Ventava. Nem frio, nem quente: úmido. Chovera há pouco, e algumas gotas vagavam desgarradas. Há um mês aquelas árvores estavam em flor, mas naquela manhã nublada alguns frutos tímidos se mostravam. Meus braços num movimento ensaiado impulsionavam meus passos: ora o direito para frente, ora o esquerdo – contínuos, opostos, obstinados. Foi quando o incidente aconteceu: uma corrente de ar menos sutil fez com que um dos frutos saltasse da copa de umas das árvores e acertasse, de forma intermediária, minha mão. Tal foi a violência da pequena manga, que desarranjou o sincronismo das idas e vindas. Um pequeno roxo estabeleceu a veracidade do encontro.
    Certa noite, meses mais tarde, passando pelo mesmo local, conversávamos sobre uma pomba morta que havia caído sob minha cabeça – mas essa história, conto depois. Subitamente uma rajada de vento animou as árvores e refrescou-me a memória. Como falávamos de coisas que nos utilizam como intermediários no caminho para o chão, relatei o caso da manga. Entre poucos risos, minha amiga – uma poetiza dessas de blogs e papeis avulsos rabiscados – contou que conhecia e já havia contemplado em um de seus escritos algo sobre folhas suicidas, mas nunca mangas. Refleti e manifestei minha objeção (não que a manga me cause rancor, de forma alguma): “Fui vítima de uma manga assassina! Foi um ataque. Não era apenas suicida, era kamikaze!”. Alguns segundos e a síntese veio em contrapartida: “Verdade, folhas são suicidas, mangas kamikazes!”.
    Instigante, não? 
    Durante a noite peguei-me a matutar como é curioso esse devir entre experiência cotidiana e divagar filosófico. O que seria dos poemas e devaneios não fosse o vivenciado diariamente? Por outro lado, o habitual não cultiva em sua gênese todo o poético? Folhas e mangas são fatos, são materialidade, são objetivas. Seus movimentos poderiam passar despercebidos no caos variável mundano, não fossem eles capazes de nos atravessar e provocar afetações diversas: da fascinação a mais sublime indiferença.
    Penso que a criatividade não nasça de uma instância interna e desconhecida, mas sim do contato. Das apresentações, dos reconhecimentos. Relacionar-nos com aquilo que nos cerca implica em transcender, por meio de prazer ou dor, seus significados e, em movimentos de negação ou afirmação, produzir o novo. Novo é mutável, é o que já passou e ainda nem surgiu. É o viver com todas suas implicações. Esforço atroz.
    Folhas suicidas, mangas kamikazes. Cenas cotidianas e devir poético. Na verdade, não se trata de permitir que o toque adentre a pele?


Imagem: SamUH!
Texto: SamUH!